300 ANOS DE MINAS GERAIS. PARTICIPE VOCÊ TAMBÉM!

 E hoje a participação é do acadêmico Isaias Ribeiro

Vovô Telão, Norma e a Preta

        A Daisy e o Davi foram logo colocando objeção na fala do professor e com certa razão. Disse ela que discordava do professor no tocante ao que ele afirmara, pelo menos no tocante à sua própria família.

        Dizia o mestre das letras que o povo mais antigo era de uma moral ilibada, que as famílias viviam harmoniosamente e que os adultos eram sempre um exemplo para os filhos mais novos, etc.

        Daisy contou então, o que segue...

        Vovô Antonelo, o vovô ‘Telão’ vivia na rua de baixo do distrito da Lajinha. A Lajinha tinha três ruas: a de cima da rodovia, a de baixo da rodovia e uma que cortava as três. Justamente esta, onde se localizava a Igreja Matriz, a venda do Chichico, o bar da Sinhá Helena, esposa do Coronel, sempre bem frequentado, e do outro lado da rua, o bar do vovô ‘Telão’, sempre às voltas com mulheres, baralho, uma mesa de sinuca, muita bebida. Ao fundo tinha o pasto do Português.

        Quando os ‘milico’ chegava para dar batida, os menores saíam todos em debandada pelo pasto, escondendo-se na matinha. Dentro da matinha, tinha o córrego do Tico-Tico e nas duas margens, um pântano que ninguém conseguia atravessar, pois o barro era pegajoso.

        Bem no início do trecho urbano da rodovia, vovô Telão constituiu família com a Vovó Norma, criando ali seus quatro filhos: Dora, Dila, Dalvan e Maria do Carmo (minha mãe). Viviam bem, apesar dos tempos difíceis. Mas uma coisa chamava a atenção de todos. Quando a filha mais nova, a ‘Du Carmo’ nasceu, quase no mesmo dia nasceu também a filha mais nova da dona ‘Preta’.

        Preta era o apelido de Marília do Zeca Biriba. A Marília teve um caso com Telão lá na juventude. Mas o Zeca Biriba não consentiu que a Marília namorasse com o Telão porque ele vivia enfiado no bar, até então do tio de Telão, o Zé Chico. Com o falecimento do Zé, o Telão ficou tocando o bar. Como os filhos do Zé Chico não se davam com ele de forma alguma, disseram que o Telão podia ficar com o bar, desde que cuidasse da mãe deles, a dona Margarida. O que ele fez com esmero até o dia do falecimento da dona Margarida, a qual chamava carinhosamente o Telão de “Delinho”, porque se parecia muito com o pai dela, tendo boas recordações. O Telão herdou o bar.

        Como era muito caprichoso com as porções, fritadas e bebidas, foi logo ganhando clientes e fazendo fama. Sua caipirinha era muito apreciada. Até mesmo o Padre Jerônimo ia para o bar depois das missas, tomar ‘uma’ para acalmar a luta entre os espíritos do bem e do mal que o atormentavam, segundo as palavras dele. Certo é que o Telão prosseguiu o seu caso com a Preta, paralelamente com o namoro sério com a Norma.

        A vovó Norma era prendada, trabalhadeira e passava suas tardes livres em rezas, novenas e auxílio aos mais pobres. Vivem sempre em meio às festas, quermesses e eventos da igreja. O Telão, de manhã até à madrugada, tocando o bar. Interessante que não havia briga alguma entre os proprietários dos bares, um do lado da praça, o outro, do outro lado.

        No domingo, o Telão levava a dona Norma para almoçar no bar da Sinhá Helena. Dizia ele que nunca iria levar a dona Norma no seu bar, porque lá não era lugar para a Norma frequentar. Lá pelas duas da tarde, levava a dona Norma para casa e retornava para abrir o seu bar. E quando Telão o abria, a Sinhá Helena fechava o dela. Não tinha briga alguma. Até mesmo se emprestavam cascos e mantimentos (óleo, farinha, sal, açúcar, limão, laranja, azeite), sempre com muita boa vontade.

        Até mesmo o Coronel lá pelas tantas da noite, ia no Telão beber uma aguardente das bandas do “Pequi de Goiás”. O Telão sempre guardava duas ou três garrafas para uso exclusivo dos clientes ilustres: o Coronel, o Padre e a Preta.

        Como já disse, a filha mais nova da Preta nasceu três ou quatro dias depois da Du Carmo. O Telão comprou panos e roupas para as duas meninas. Quando caíram os umbigos das duas crianças, a parteira Genoveva confidenciou às vizinhas que havia uma semelhança muito, muito grande entre as duas crianças. Ambas possuíam uma mecha branca no lado direito do cabelo. E o Telão, bem como a Tia Margarida, possuíam a tal mecha no cabelo. Não era coincidência. E a vovó Norma nunca disse nada ao vovô Telão. Guardou para ela mesma o tal caso.

        As semelhanças, todavia, não eram apenas em relação à mais nova. Os outros dois filhos da Preta, tinham lá também as suas semelhanças com os filhos do Vovô Telão.

        Um dia, reuniu as crianças todas no seu alpendre, seus filhos com a vovó Norma, e os filhos dele com a Preta. Como criança não possui preconceito, quem os possui são os adultos, eles brincavam todos juntos, ora na casa da vovó Norma, ora na casa da Preta. Comiam lá, comiam aqui, sem nenhum tipo de confusão. Vovô Telão era caprichoso: meio saco de arroz para lá, meio saco de arroz para cá; meio saco de farinha para lá, meio para cá; quatro pacotes de açúcar para lá, quatro para aqui; azeite em medida igual para as duas casas; carne seca igual para as duas casas.

        Dormia todas as noites com a vovó Norma, mas como nunca ia à igreja, ficava na casa da Preta enquanto a vovó Norma cuidada dos afazeres religiosos:  “Cada um com a sua devoção”, segundo o Vovô Telão dizia.

        E a Daisy com a sua mecha branca no lado direito do cabelo, afirmou que as pessoas desde sempre possuíram as suas virtudes e também as suas amarguras. Apenas, supunha, que naqueles tempos, as pessoas eram menos fofoqueiras, ou talvez, não possuíam rede social.

        Histórias que o povo conta...

IJR/

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

𝗫𝗩 𝗖𝗢𝗡𝗖𝗨𝗥𝗦𝗢 𝗗𝗘 𝗣𝗢𝗘𝗦𝗜𝗔𝗦 𝗗𝗔 𝗔𝗖𝗔𝗗𝗘𝗟𝗣